Em Luziânia (GO), a realidade das detentas costuma envolver abandono, superlotação e falta de perspectivas. Nesse cenário, a Associação Ame Mulheres Esquecidas (A.M.E.) atua para acolher e capacitar mulheres que cumpriram pena, oferecendo suporte emocional e profissional. A meta é reintegrar essas ex-detentas à sociedade, reduzindo a reincidência e recuperando a dignidade delas.
Vozes do Cárcere: Dor e Esquecimento
Em uma carta endereçada à “madrinha” Mariana*, a ex-detenta Patrícia* descreve sentimentos de solidão e invisibilidade:
“Aqui dentro, ninguém lembra da gente. Lá fora, ninguém quer lembrar.”
A declaração evidencia a dura rotina dentro das prisões femininas, em que o abandono é quase regra, segundo a fundadora da A.M.E., Shaila Manzoni. Ela relata que muitas presas da Unidade Prisional Feminina de Luziânia — com 184 detentas para uma capacidade de 121 — sequer recebem visitas.
“A falta de perspectivas é quase total. Elas se sentem invisíveis, sem qualquer laço afetivo ou chance de redenção”, ressalta Shaila.
Diante desse abandono, a A.M.E. promove eventos dentro dos presídios em datas como Natal, Páscoa e Dia das Mães, em parceria com voluntários e empresas locais. As ações buscam resgatar a humanidade das mulheres encarceradas, criando momentos de afeto em um ambiente hostil.
“O mais urgente é enxergar o ser humano no meio disso tudo. Sem esse olhar, a gente perde o sentido”, completa Shaila.
O trabalho de ressocialização continua após a saída da detenta, quando a A.M.E. oferece capacitação profissional e articula parcerias com empresas dispostas a contratar ex-presidiárias. Assim, muitas encontram a primeira oportunidade de trabalho e conseguem reconstruir suas vidas.
Exemplo de Superação
Patrícia, que cumpriu três anos de detenção, vagou sem rumo depois de sair do presídio, até ser acolhida pela A.M.E. e empregada como cozinheira em uma empresa parceira.
“Foi a primeira vez que alguém acreditou em mim. A liberdade sem apoio era só um pânico constante”, conta, emocionada.
Hoje, Patrícia se mantém no emprego e planeja crescer profissionalmente, sonhando até em empreender.
“Não achava que era capaz de nada. Mas recebi a primeira chamada para entrevista de emprego e percebi que, sim, posso construir um futuro melhor”, celebra Ana Maria*, outra ex-detenta beneficiada.
Rede de Apoio e ‘Madrinhas’
Um dos pilares da A.M.E. é o acompanhamento emocional. Cada ex-detenta ganha uma “madrinha”, que envia cartas, liga periodicamente e acompanha desafios do dia a dia. Mariana*, uma dessas madrinhas, destaca:
“Não julgo, apenas acolho. Minha missão é lembrar a minha afilhada de que ela não está sozinha.”
De acordo com Shaila, esse vínculo é decisivo para que as mulheres não se sintam impelidas a voltar ao crime. “Elas precisam saber que alguém se importa, e esse ‘alguém’ está lá, firme, quando o resto do mundo vira as costas”, reforça.
Além de ações dentro do presídio, a A.M.E. organiza diversos eventos comemorativos que ajudam a reforçar a autoestima e o senso de pertencimento das detentas. A parceria com a empresa Remembear, por exemplo, viabiliza doações de objetos de decoração, transformando esses eventos em momentos de celebração e inclusão.
“É muito mais do que doar itens. É mostrar que elas são vistas e valorizadas”, explica Fabiani Silva e Luiza Lima, representantes da Remembear.
Impacto Social e Futuro
Segundo o Ministério da Justiça, a taxa de reincidência feminina chega a 50%. Porém, iniciativas como a A.M.E. comprovam que esse índice pode ser reduzido quando há amparo, capacitação e acolhimento.
“A verdadeira transformação começa quando enxergamos essas mulheres além dos erros que cometeram. É nesse cuidado, nessa empatia, que devolvemos dignidade e esperança”, reflete Renata Hanai, sócia da associação.
Em 18 meses, Patrícia reconstruiu sua vida. Ana Maria vislumbra a possibilidade de abrir o próprio negócio. E outras mulheres começam a escrever novos capítulos graças a um projeto que as enxerga como seres humanos capazes de recomeçar.
“Meu desejo é que mais pessoas acreditem na gente. Como disse na carta, ‘lá dentro’, ninguém lembra. Mas aqui fora, se a gente não for esquecida, o futuro pode ser bem diferente”, conclui Patrícia.